o dossiê itapetinga

capítulo 11



Havia já umas duas semanas que ele, Alberto, tinha ido lá em casa, e convidou-nos pra esse mesmo insólito passeio: Itapetinga. Evidentemente não se tratava de uma mera viagem. O que ocorre, minha gente, é que ele trabalha com um irmão numa loja de venda de peças de automóveis, que fica lá na Avenida Brumado, 630, no Bairro Brasil, no telefone 77 3422-3176 e fax 77 3424-3473, bem de frente ao Paulo VI, e um sujeito, morador daquela cidade, Itapetinga, mais ao sul da Bahia, mas também Sudoeste, havia feito uma compra um tanto quanto alta, eu diria que altíssima pra renda geral do povo daquelas regiões, e lascado cheques sem fundo na loja; de modo que, com a safadeza que se apossou de nós no momento em que nascemos, acostumamo-nos a andar juntos pra tudo quanto é canto da cidade, em busca de algazarras e noites de violadas nos meios das ruas noturnas até mesmo quando é dia; numa ocasião como aquela, seria irrevogável que fôssemos compactos até a cidade de Itapetinga, atuar mais uma vez como coadjuvantes de nós mesmos no miserére que se aproximava sem protagonista nem líder. Passaríamos, sem dúvida, na queda d’água da Ladeira do Marçal e tomaríamos um belo dum banho na tarde que se insinuava ensolarada, e lá, sem dúvida, haveria morena pra se olhar, até, quem sabe?, pro deleite. A grande causa, então, de irmos até Itapetinga era fazer cobrança ao elemento e Alberto achou que se fôssemos juntos, eu, ele, Maurício e Alexandre, acovardaríamos o indivíduo e ficasse mais cômoda a conversação; para aumentar o número de componentes, chegou Dernival. Estava formada a galera. Dernival é a espécie que não pode faltar onde houver vagabundagem, ou ante a mera sugestão da mesma. (Compadre Valdivino). Ultimamente, porém, andava um tanto quanto tristonho com a decisão de sua namorada de voltar pro antigo marido. Na verdade, ela, Polyana, e todos nós sabíamos disto, ainda que namorando há muito com ele, nunca esqueceu-se de Nelson, seu primeiro amor, com quem teve seus três filhos, aqueles capetas. Ainda que antes de se separarem ela já mantivesse este relacionamento amoroso com Dernival, era Nelson a sua paixão verdadeira e não era o caso dele está agora com aquela melancolia estampada no olhar.

capítulo 10



Maurício, por sua vez, acorda às quatro da manhã, assa os pães, olha o balcão durante o dia, se necessário, vai na rua comprar o que tiver de comprar; vai de bicicleta, vai a pé, de ônibus, faz o que mandar, o diabo, mas nunca viu um vassoura na frente, nunca usou um rôdo na existência. Eu, com toda modéstia, no entanto, lavo a padaria, olho o balcão, vou na rua comprar o que precisar ser comprado, limpo a casa toda, encero, acordo a qualquer hora e asso o pão e ainda lavo a padaria, e ainda lavo a padaria e ainda lavo a padaria. Em outras palavras: sou pau pra toda obra. Quando tô ali, na labuta, esfrego aqui, esfrego acolá, atento um aqui, pirraço outro ali, fofocando com mainha sobre a vizinha que, segundo ela, o cabelo nunca viu água, cantando ao som inefável do maravilhoso Eric Clapton, outrora Muddy Waters...que quando eu meto a cara no breu da porta que vai dá lá dentro do balcão, enxergo uma figura conhecida minha lá na padaria proseando com Maurício, às oito e meia da manhã daquele dia, um acontecimento extremamente ilógico, insueto, inusitado, apesar de ser feriado na cidade. Encostei. Era Alberto.
_E aí, Zé Mané!! - numa cordial recepção, gritada!!
_Fala, aí, corno véi! - devolvendo-me a cordialidade, eufórico!
_Rapaz, num trabalha mais não, é, safado? Uma hora dessas aqui em casa?!
_Ô Zé Mané, é 9 de novembro, burro, é dia da cidade. - me disse Alberto, com aquele seu ar de sabe-tudo, dono do mundo, como se eu não soubesse que em todo ano, naquele mesmo dia, fosse comemorada a independência da cidade de Vitória da Conquista, centro populacional avançadíssimo do Sudoeste da Bahia, produtora-mor de café e terra natal de Glauber Rocha, Elomar Figueira Melo, Zu Campos, do inominável poeta maravilhoso Camilo de Jesus Lima e do escritor maior entre todos, Adson da Silva Costa, autor de “Teresa” e de “Mocororô”. Ora!!!
Saímos pra rua, nos sentamos por ali e aí começou tudo. Perguntou-nos Alberto:
_E aí, velhinhos, qual dos dois tá liberado pra ir ali comigo?
_Pra onde? - perguntou Maurício.
_Itapetinga.
_O quê? Itapetinga?? Cê tá é doido!
_Vamo lá, porra. Alexandre vai também.
_E que diferença faz Alexandre ir? Não dá, não, bicho. Painho mata um. - falei.
_Eu falo com ele, então.
_Não adianta! Ali quando invoca, é uma desgrama!
_Eu vou lá assim mesmo!
_Então, vá lá. E foi um prazer te conhecer, bicho. - Maurício falou sarcasticamente.
E o elemento foi mesmo. Ali é corajoso. Eu não sei porque, se por sermos todos moleques descarados, mas a presença dos pais de nossos amigos nos inibe tanto; parece que estão ali com uma única intenção de observar nossos passos, nossos descarados passos e parece que a gente, pela força que o olhar deles exerce sobre nossas mentes, acaba por falar, sem querer, qualquer coisa comprometedora, algo que venha a acabar com a vida de nosso amigo. Sempre foi assim.
_Seu Teté, libera os meninos pra ir ali, rapidinho comigo.
_Pra onde? - meu pai inquiriu, todo retardo.
_É ali pertinho, seu Teté, lá em Itapetinga.
_O quê?!!!!
_Não, seu Teté, é rapidinho mesmo, é chegar lá, pegar um dinheiro cum cabra e se mandar pra cá de volta.
_Então vai um apenas, ora!
_Mas é que a gente...o senhor sabe, né, seu Teté, como é que é...e...
_Rapaz, desse jeito vocês me acabam!
_São duas horinhas de nada, seu Teté. É chegar lá, pegar e voltar.
_Olha, se não for demorar muito pode ir, porque eu não gosto de ficar aqui nesse balcão o dia todo, não.
_Não, seu Teté, é chegar lá, pegar o negócio e sumi.
_Vamos ver! Painho falou, sem um mínimo regozijo ou contentamento, nem crédito.
_Beleza. Então vamos lá, velhinhos.

capítulo 9



. Minha irmã limpava a poeira da casa, sua mais predileta atividade doméstica. Limpava e limpava, ao som melancólico de Bartô Galeno, e uma musiquinha monocórdica e desafinada, e esticava a canela, uma atrás da outra, conforme o tempo da música. Se a canção é lenta, mais lenta a arrumação da casa, se a melodia, no entanto, é um pouco mais acelerada, acelera-se, também, o passo e a limpeza. Além dos seus livretos de “Júlia” ou “Sabrina”, nada há de mais gratificante na vida de Minéia que aquela poerinha marrom assentada sobre os móveis brilhantes da sala. Consubstancia-se ali, naquele móvel de madeira, a felicidade em outras palavras ou a personificação da mesma. Eis, naquele pretexto, “a sua mais completa tradução”. Ah, ela tá maluca. Se achega docilmente à flanela, sacode-a, tirando os resquícios poeirais da regozijada limpada anterior e dirige-se, solenemente feliz, digna de uma filmagem prum longa metragem, ao móvel afetado; ali, ela deposita, caudalosa, “amante e otimista”, o pano ligeiramente úmido e, de um lado a outro, leva-o; e vai e volta, numa frenética rotatividade de amor e repulsa; seus olhos brilham ante a fantástica ecoação do bater do pano na madeira novamente limpa, diáfana e volta vitoriosa ao seu habitat natural: a cozinha (digo isto sem o menor machismo. Sou completamente a favor das mulheres na luta contra este monstro dilacerado que assola esta terra. Eu também acho que assim como os homens têm direito ao seu carro zero, pra rodar soberano, as mulheres também têm o direito ao seu fogãozinho “seis bocas”, elétrico, novinho. Da mesma forma que eles querem seu celular, pra maior comodidade nas vagabundagens, elas têm o direito ao seu interfone novinho, lá dentro da cozinha, sobre o fogão. Assim como eles querem seu terno novinho, alinhado, elas merecem seu aventalzinho branquinho, diáfano, imaculado, pra usar na sua cozinhazinha linda. Sou contra este machismo. Tem que haver uma revisão, uma reconsideração!) Mas, mais que a simples limpeza de meras poeiras, boa mesmo é a faxina completa que ela faz em dias alternados, quando muda, invariavelmente, o lugar dos móveis, deixando meu pai com uma angústia sem nome no olhar. Ah! Minéia tá maluca! Meu pai tava lá embaixo do pé de amêndoa, com os olhos no tempo, mirando o infinito do azul longínquo que se estendia cinza-verde-claros pros lados da Capital da Bahia, a cidade de São Salvador, talvez lembrando-se do seu tempo de moleque, no sul do estado, em Ibicuí, Macarani, Itarantin...rememorando as vagabundagens da Rua da Moranga, em nossa Conquista, revendo, em mente, os padeiros que iam nas casas de prostituição daquelas bandas, naquela cidade em formação, onde o que hoje é centro, naquela época não passava de mangueiras, baixas de éguas, capineiro pra dar de comer a gado, observando do alto do Ipanema a cidade que, como diria um dos maiores poetas de lá: “fora desenhada por um esteta louco”, onde as mortes a facadas eram tão comuns quanto acordar, andar, falar, xingar ou qualquer outra atitude usual, convencional... estava a pensar o meu pai. Minha mãe, lá no fundo do quintal, labutando com as plantas e mexendo com terra e esterco, fazendo leiras e molhando as plantas ao inominável sol que lhe invadia a alva alma e o límpido olhar brejeiro de catingueiro falador. Pedi-lhe a benção (bença, mainha! - Deus te abençoe) e principiei a minha tarefa do dia: a limpeza do galpão da padaria. Juntei os troços num canto: rodo, vassoura, água, sabão em pó, rádio, pano de chão, fita do Skank, balde, chicletes e fui lá, lavando, lavando, cantando ao deleitoso som do reggae. Acontece que lá em casa existe um corporativismo safado entre Maurício e Minéia, que me acaba. Nem um deles, mesmo com toda a dedicação de minha irmã às tarefas domiciliares, se digna a lavar, um dia sequer, a padaria, o local da fabricação do pão. Ela limpa a casa inteira, passa cera no chão de cabo a rabo, lava as janelas até brilharem, aria as louças todas da casa, ainda que desnecessariamente, limpa a área, lava o carro e tudo o mais, mas quando chega na porta da padaria, ela estanca o passo e deixa a imundície tomar de conta. É impressionante o poder que eles têm de manter suja a padaria. Desta forma, eu me obrigo a limpá-la todos os santos e endiabrados dias. Chova ou faça sol no mundo.

capítulo 8



É-me de prazerosidade imensa sua atitude toda original de esconjurar sua molecada. O que eu acho engraçado é que desde que moro ali que há crianças pequenas, de colo e de mama, nas casas dela e de sua mãe, que tem mais quatro filhas. Parece que nunca crescem; estão eternamente com os mesmos dois anos de idade, o mesmo catarro escorrendo pelo nariz imundo, a poeira envolvendo não só o corpo, mas a alma, os pés descalços trazem geralmente disforme o dedão, que tem a ponta esfacelada pelas eventuais topadas nos barrancos das ruas. Há dez anos que eu moro ali e não sei de onde surge tanto moleque naquela casa. Posso até tá enganado, mas, pelas minhas contas, deve haver uns dez rebentos (tudo que nasce é rebento!), tudo pequeno e catarrento. Parei de ouvir a vizinha. Encostei-me no tanque d’água do fundo do quintal e pus-me a observar os brotinhos de abacate que navegavam silenciosos sobre sua hídrica substância, fiz redemoinhos com a mão e os observava subir e descer lentamente, labutei com o pé de ciriguela, atentei o meu cachorro Maquiavel, tirei uns caroços verdes do pé de café e retornei à cozinha pra tomar o meu matutino e irresistível café que mainha prepara com todo afeto e alegria. Tava tudo em ordem. O sol entrava pela janela com o frescor suave das manhãs conquistenses e o frio me obrigava a tomá-lo pra mim, mas ele só me pegava da cintura pra baixo, dada a sua posição no céu, e eu o punha nas mãos até esquentá-las e aí trazia-as, quentes, bem quentes, até o rosto e esfregava-as, até que esfriassem novamente e eu recomeçava a luta, já que na minha cidade nós ficamos a quase mil metros acima do nível do mar e, embora estejamos no Nordeste, pela altitude é uma cidade extremamente fria, a mais fria da região, senão do Norte inteiro, e quando estamos ao sol, banhando-nos, ele nos aquece, mas quando estamos dentro de casa, ele nos esquece; o frio toma de conta e é “de com força”; então, com isso, estou explicando o fato de eu, em havendo sol, me senti tão friorento na presença do café de mainha. Pois bem! Meu irmão, Maurício, naquela felicidade efusiva e gritante que só a ele é peculiar, conversava alto com a molecada que entrava na padaria pra comprar o pão seu de cada dia nos dai hoje, o violão despendurado na cacunda, cantando lindamente as músicas de Renato Russo, como só ele sabe fazer, imitando-o na voz e nos batidos idênticos das cordas. O sorriso, deste tamanho, a arcada exposta completamente, o canto da boca chegando na orelha e a eterna luta na conquista de Flavinha, uma burguesinha branca habitante da área oposta à nossa.

capítulo 7 - A Euforia Risonha Na Estrada Que Em Noite É Medonha E Avassala Corações Desacordados E Sonâmbulos.



Naquele dia o tempo tava fechado pra mim. Era Macumba! Sem dúvida, algum fumo-d'angola, alguma riamba me haviam feito numa daquelas encruzilhadas florestais do bairro Patagônia. Qualquer diamba ou macumba! Era melhor que eu nem tivesse saído de casa. Era pango. Dias há, aliás, em que o melhor que fazemos, para que não venhamos a colaborar com a fúria do inconsolável, é nem mesmo acordar. Melhor, ainda, é fazer como aquela outra que dormiu cem anos, mas que não me venha princesa nenhuma acordar-me. Naquela manhã, no entanto, ao levantar-me, a vida parecia-me sorrir, parecia declarar-me boas novas e aventuras, como a querer proclamar-me uma dia para um ledo devaneio, euforias escandalosas, ou tragédias indolentes de amores traídos nas passionais visões do mistério; o sol tava lá, pendurado no céu azul em todos os horizontes, sacudindo de vida a meninada que regia como nunca a vagabundagem indiscreta das ruas do meu bairro empoeirado pela “Viação Conquistense”, botando fogo no mundo, numa gritaria mefistofélica, infernal, dantesca. O dia com uma claridade celestial, diáfana, de uma transparência formidável, um dia para amar! Um dia daqueles que não se pode desperdiçar lendo, que não se pode passar sem uma mulher ao lado, sem um abraço, sem um beijo, sem um carinho na pele, sem um flerte de olhar sem decência, sem a voz caudalosa que emana da sangrada boca das Rameiras da Rua da Brasília, no Bairro Jurema, sem a flácida presença duma bela “cuba” ou da satisfação violenta dos acordes dum Di Giorgio na porta da rua, sob o pé de amêndoa, ou uma sinuquinha esperta no cair da tarde do boteco de Zé de Bem, sem uma vagabundagem, sem a delícia maravilhosa da aromática boca da morena mulher catingueira do alto do sertão baiano... ao acordar, às oito da manhã, vislumbrei todas essas deleitosas verdades pela fresta da janela do quarto; a mesma janela de madeira de há muitos anos naquele mesmo lugar na parede, nunca em outro, sempre ali, sempre ali me acompanha e vê minhas dissonantes efusões miraculosas nas noites infinitas de meu ego insano despedaçado na derradeira e trágica investida sobre aquela verdadeira e única mulher Dama da humanidade em epístolas sensibilíssimas e sinceras... mãinha já havia feito outro café, o pão tava na mesa e o povo da casa todo acordado. Fui ao fundo da padaria, dei uma olhada na qualidade dos pães daquela noite, olhei o pão de sal mais demoradamente, a nossa básica preocupação em termos de qualidade, já que o de doce tem uma maior facilidade em sair sempre bem e aí, sim, feliz com a boaventurança dos pães da noite, resolvi lavar o rosto e escovar a arcada dentária precária e vária e pária. Malária. Feito, dirigi-me ao quintal, curti com todo o amor a natureza do pé de abacate que iluminava de verde meus olhos de estrelas e fiquei sob sua órbita sombreira o tempo que foi propício pra encher a alma de flores e abrir os olhos ao tempo e aos espaços, detido pela magnífica beleza que se ascendia pelos ares que o norteava, adorando-o como a um deus verde, com o vago panteísmo pessoano no dorso d’alma... ouvindo a gritaria demoníaco da vizinha, lavadeira de roupa, uma negra magra e esguia que é chegada nossa desde há muito tempo, muitos anos, e eu nunca a ouvi falar baixo; é daquelas que falam, falam e resmungam e falam e xingam os seus meninos de escumungados, de filho disto e enteado daquilo outro, e reclamam disso e daquilo, e falam e falam... e nunca param de falar... e falam!! Mas eu gosto.

capítulo 6



O outro foi Dernival. Este eu conheci na festa de aniversário de quinze anos do cachorro do meu primo Wênio. Um vagabundo daquele, bom de pegar no cabo da enxada, comemorando festinha de quinze anos. Eu tô ficando é besta mesmo. Dernival tava lá no canto, passando a mão no dentiqueiro e espiando a bagunça. Astuciando. Nesta noite, por preguiça, resolvi ficar por ali mesmo, nas Bateias. Por falta de espaço na casa de meu primo, tive o confortável convite de Dé para dormir em sua casa. Nesta noite floriu este romance lindo que até hoje perdura com a mesma força de antes. Só foi abalado uma vez esse romance. Mas esquece!! Certa noite, frio comendo o rabo de nego, fomos no “Escorrega-lá-vai-um”. Lá, como era de se esperar, dando vez à sua preferência, se alojou no cangote seboso de uma mulata senhora, ou uma senhora mulata, coroa, seus quarenta anos, fornida e festeira e pôs-se a tomar cerveja e cerveja e mais cerveja com esta dona. Eu, desassociado de suas predestinações filósofo-mulherenga, estranho aos movimentos alcoólicos da vida, mantive-me alheio ao seu devaneio e ao dela, a mulata. Lá pelas tantas, altas horas, o frio engenhando o estômago, invadindo já alma, implorei no ouvido dele:
_Dé, vamos embora, bicho. Larga essa morena aí e vamos nessa.
_Rapaz, você é doido? Uma lapa duma negona dessa, arrumada, cheia da nota, eu vou largar aí, cê é doido?! Olha o diferencial dessa mulher, Fabinho. Olha a caixa de marcha desse bicho. Isso não é brincadeira, não. Olha o fecho de mola!! Rapaz!!
_Bom, é o seguinte, eu vou descendo a ladeira, então. Vê se se arranja com essa coroa e eu vou andando por aí, devagarinho. - e foi aí que Dé soltou essa maravilha de proeza catingueira:
_Rapaz, quem tem medo de cagar não come!!
Na verdade, nem um vale nada! Nem Alexandre, nem Maurício, nem Dernival, nem o safado do Alberto. Nem eu valho nada. O caso é esse mesmo, mas nós entramos numa empreita que não foi brincadeira, não. Esta é a história deste livro. A vagabundagem.
Antes, porém, deixo fluir a aura da boaventurança e dos bons rituais aos olhos da majestosa côrte que me lê. Não me afaguem. Apedreja esta mão vil que te beija.

capítulo 5





O outro foi Alexandre. Outro besta. Sujeitinho baixo. Só falava se perguntasse, e era na base dos monossílabos: sim, é, foi, acho, hun, hun, tá, sei...o diabo. Depois, passados os anos, permanece o mesmo. Não bebe, não fuma, não namora em pé, não nada. É uma égua. Mas eu gosto dele assim mesmo, porque a gente pirraça e ele não se importa, só faz rir das piadas. Mas foi com ele que eu pude assistir por inteiro “A vida de Bryan”, meu filme preferido. Hoje ele trabalha numa imobiliária e é amigo do namorado de Magnólia