capítulo 4



O outro foi Alberto. Esse era besta que fazia dó. Ia pra escola fazendo o cálculo das placas dos carros. Na saída, às cinco da tarde, comprávamos um picolé ordinário numa sorveteria que ficava ao lado do aeroporto. Decididamente, não era bom o picolé, mas ele tinha três sabores e três cores e aí a gente cria que era lucro. A vaquinha tava feita. Não comprávamos nada durante o recreio; guardávamos pra quando fôssemos embora. E isso virou ritual: Alberto, Maurício, eu e Sílvio, outro colega nosso, do qual temos hoje pouca informação, íamos chupando o picolé de três sabores até o fim do muro do aeroporto, um verdadeiro símbolo de nossa infância, o intransponível muro do aeroporto cujos limites internos guardavam tantos segredos. Depois nós descartamos o picolé e achamos mais conveniente brincar de briga nas tabôas do Bairro Alegria. Foi mais de um ano nesta lida até o dia em que Maurício e Alberto melecaram-se todo de bosta de gado (ou era de gente?) numa das lutas. Aí paramos! Ficamos traumatizados! Anterior ao conhecimento dele, era costumeiro sairmos correndo, atropelando gente, em busca do “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Após ele, entretanto, freamos a besteira e passamos a curtir a vida longe das telas retangulares. Alberto era isso. Não brigava, não xingava, não falava alto em sala, não contestava... mas depois esse menino virou um capeta neste mundo de meu Deus. Fez-me parecer um santo. Sua mãe, Dona Maria José, gente fina, fazedora de bolos inominavelmente gostosos, assistiu no natal passado a um espetáculo diabólico de Betinho, e ela, coitada!, católica legítima, praticante, apostólica, romana, tardou o passo, paralisada na alma ante o desajuste mental do menino: Albertão, bêbado, trocando as pernas, chamando cachorro de cacho, rasgava a bíblia com os dentes e gritava enfurecido: “eu cresci tendo que obedecer a esta desgraça, mas agora eu me libertei desta porra, deste caralho! Agora, liberdade disto tudo”, enquanto a mão esquerda retia um litro de 51 misturado com limão e açúcar, a típica caipirinha nordestina. Mudou bastante! Exatamente por isso o amo. Hoje em dia, na bicicleta, leva um cantil e dentro a hídrica companhia dum “coquinho”.

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