capítulo 7 - A Euforia Risonha Na Estrada Que Em Noite É Medonha E Avassala Corações Desacordados E Sonâmbulos.



Naquele dia o tempo tava fechado pra mim. Era Macumba! Sem dúvida, algum fumo-d'angola, alguma riamba me haviam feito numa daquelas encruzilhadas florestais do bairro Patagônia. Qualquer diamba ou macumba! Era melhor que eu nem tivesse saído de casa. Era pango. Dias há, aliás, em que o melhor que fazemos, para que não venhamos a colaborar com a fúria do inconsolável, é nem mesmo acordar. Melhor, ainda, é fazer como aquela outra que dormiu cem anos, mas que não me venha princesa nenhuma acordar-me. Naquela manhã, no entanto, ao levantar-me, a vida parecia-me sorrir, parecia declarar-me boas novas e aventuras, como a querer proclamar-me uma dia para um ledo devaneio, euforias escandalosas, ou tragédias indolentes de amores traídos nas passionais visões do mistério; o sol tava lá, pendurado no céu azul em todos os horizontes, sacudindo de vida a meninada que regia como nunca a vagabundagem indiscreta das ruas do meu bairro empoeirado pela “Viação Conquistense”, botando fogo no mundo, numa gritaria mefistofélica, infernal, dantesca. O dia com uma claridade celestial, diáfana, de uma transparência formidável, um dia para amar! Um dia daqueles que não se pode desperdiçar lendo, que não se pode passar sem uma mulher ao lado, sem um abraço, sem um beijo, sem um carinho na pele, sem um flerte de olhar sem decência, sem a voz caudalosa que emana da sangrada boca das Rameiras da Rua da Brasília, no Bairro Jurema, sem a flácida presença duma bela “cuba” ou da satisfação violenta dos acordes dum Di Giorgio na porta da rua, sob o pé de amêndoa, ou uma sinuquinha esperta no cair da tarde do boteco de Zé de Bem, sem uma vagabundagem, sem a delícia maravilhosa da aromática boca da morena mulher catingueira do alto do sertão baiano... ao acordar, às oito da manhã, vislumbrei todas essas deleitosas verdades pela fresta da janela do quarto; a mesma janela de madeira de há muitos anos naquele mesmo lugar na parede, nunca em outro, sempre ali, sempre ali me acompanha e vê minhas dissonantes efusões miraculosas nas noites infinitas de meu ego insano despedaçado na derradeira e trágica investida sobre aquela verdadeira e única mulher Dama da humanidade em epístolas sensibilíssimas e sinceras... mãinha já havia feito outro café, o pão tava na mesa e o povo da casa todo acordado. Fui ao fundo da padaria, dei uma olhada na qualidade dos pães daquela noite, olhei o pão de sal mais demoradamente, a nossa básica preocupação em termos de qualidade, já que o de doce tem uma maior facilidade em sair sempre bem e aí, sim, feliz com a boaventurança dos pães da noite, resolvi lavar o rosto e escovar a arcada dentária precária e vária e pária. Malária. Feito, dirigi-me ao quintal, curti com todo o amor a natureza do pé de abacate que iluminava de verde meus olhos de estrelas e fiquei sob sua órbita sombreira o tempo que foi propício pra encher a alma de flores e abrir os olhos ao tempo e aos espaços, detido pela magnífica beleza que se ascendia pelos ares que o norteava, adorando-o como a um deus verde, com o vago panteísmo pessoano no dorso d’alma... ouvindo a gritaria demoníaco da vizinha, lavadeira de roupa, uma negra magra e esguia que é chegada nossa desde há muito tempo, muitos anos, e eu nunca a ouvi falar baixo; é daquelas que falam, falam e resmungam e falam e xingam os seus meninos de escumungados, de filho disto e enteado daquilo outro, e reclamam disso e daquilo, e falam e falam... e nunca param de falar... e falam!! Mas eu gosto.

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