capítulo 8



É-me de prazerosidade imensa sua atitude toda original de esconjurar sua molecada. O que eu acho engraçado é que desde que moro ali que há crianças pequenas, de colo e de mama, nas casas dela e de sua mãe, que tem mais quatro filhas. Parece que nunca crescem; estão eternamente com os mesmos dois anos de idade, o mesmo catarro escorrendo pelo nariz imundo, a poeira envolvendo não só o corpo, mas a alma, os pés descalços trazem geralmente disforme o dedão, que tem a ponta esfacelada pelas eventuais topadas nos barrancos das ruas. Há dez anos que eu moro ali e não sei de onde surge tanto moleque naquela casa. Posso até tá enganado, mas, pelas minhas contas, deve haver uns dez rebentos (tudo que nasce é rebento!), tudo pequeno e catarrento. Parei de ouvir a vizinha. Encostei-me no tanque d’água do fundo do quintal e pus-me a observar os brotinhos de abacate que navegavam silenciosos sobre sua hídrica substância, fiz redemoinhos com a mão e os observava subir e descer lentamente, labutei com o pé de ciriguela, atentei o meu cachorro Maquiavel, tirei uns caroços verdes do pé de café e retornei à cozinha pra tomar o meu matutino e irresistível café que mainha prepara com todo afeto e alegria. Tava tudo em ordem. O sol entrava pela janela com o frescor suave das manhãs conquistenses e o frio me obrigava a tomá-lo pra mim, mas ele só me pegava da cintura pra baixo, dada a sua posição no céu, e eu o punha nas mãos até esquentá-las e aí trazia-as, quentes, bem quentes, até o rosto e esfregava-as, até que esfriassem novamente e eu recomeçava a luta, já que na minha cidade nós ficamos a quase mil metros acima do nível do mar e, embora estejamos no Nordeste, pela altitude é uma cidade extremamente fria, a mais fria da região, senão do Norte inteiro, e quando estamos ao sol, banhando-nos, ele nos aquece, mas quando estamos dentro de casa, ele nos esquece; o frio toma de conta e é “de com força”; então, com isso, estou explicando o fato de eu, em havendo sol, me senti tão friorento na presença do café de mainha. Pois bem! Meu irmão, Maurício, naquela felicidade efusiva e gritante que só a ele é peculiar, conversava alto com a molecada que entrava na padaria pra comprar o pão seu de cada dia nos dai hoje, o violão despendurado na cacunda, cantando lindamente as músicas de Renato Russo, como só ele sabe fazer, imitando-o na voz e nos batidos idênticos das cordas. O sorriso, deste tamanho, a arcada exposta completamente, o canto da boca chegando na orelha e a eterna luta na conquista de Flavinha, uma burguesinha branca habitante da área oposta à nossa.

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