capítulo 10



Maurício, por sua vez, acorda às quatro da manhã, assa os pães, olha o balcão durante o dia, se necessário, vai na rua comprar o que tiver de comprar; vai de bicicleta, vai a pé, de ônibus, faz o que mandar, o diabo, mas nunca viu um vassoura na frente, nunca usou um rôdo na existência. Eu, com toda modéstia, no entanto, lavo a padaria, olho o balcão, vou na rua comprar o que precisar ser comprado, limpo a casa toda, encero, acordo a qualquer hora e asso o pão e ainda lavo a padaria, e ainda lavo a padaria e ainda lavo a padaria. Em outras palavras: sou pau pra toda obra. Quando tô ali, na labuta, esfrego aqui, esfrego acolá, atento um aqui, pirraço outro ali, fofocando com mainha sobre a vizinha que, segundo ela, o cabelo nunca viu água, cantando ao som inefável do maravilhoso Eric Clapton, outrora Muddy Waters...que quando eu meto a cara no breu da porta que vai dá lá dentro do balcão, enxergo uma figura conhecida minha lá na padaria proseando com Maurício, às oito e meia da manhã daquele dia, um acontecimento extremamente ilógico, insueto, inusitado, apesar de ser feriado na cidade. Encostei. Era Alberto.
_E aí, Zé Mané!! - numa cordial recepção, gritada!!
_Fala, aí, corno véi! - devolvendo-me a cordialidade, eufórico!
_Rapaz, num trabalha mais não, é, safado? Uma hora dessas aqui em casa?!
_Ô Zé Mané, é 9 de novembro, burro, é dia da cidade. - me disse Alberto, com aquele seu ar de sabe-tudo, dono do mundo, como se eu não soubesse que em todo ano, naquele mesmo dia, fosse comemorada a independência da cidade de Vitória da Conquista, centro populacional avançadíssimo do Sudoeste da Bahia, produtora-mor de café e terra natal de Glauber Rocha, Elomar Figueira Melo, Zu Campos, do inominável poeta maravilhoso Camilo de Jesus Lima e do escritor maior entre todos, Adson da Silva Costa, autor de “Teresa” e de “Mocororô”. Ora!!!
Saímos pra rua, nos sentamos por ali e aí começou tudo. Perguntou-nos Alberto:
_E aí, velhinhos, qual dos dois tá liberado pra ir ali comigo?
_Pra onde? - perguntou Maurício.
_Itapetinga.
_O quê? Itapetinga?? Cê tá é doido!
_Vamo lá, porra. Alexandre vai também.
_E que diferença faz Alexandre ir? Não dá, não, bicho. Painho mata um. - falei.
_Eu falo com ele, então.
_Não adianta! Ali quando invoca, é uma desgrama!
_Eu vou lá assim mesmo!
_Então, vá lá. E foi um prazer te conhecer, bicho. - Maurício falou sarcasticamente.
E o elemento foi mesmo. Ali é corajoso. Eu não sei porque, se por sermos todos moleques descarados, mas a presença dos pais de nossos amigos nos inibe tanto; parece que estão ali com uma única intenção de observar nossos passos, nossos descarados passos e parece que a gente, pela força que o olhar deles exerce sobre nossas mentes, acaba por falar, sem querer, qualquer coisa comprometedora, algo que venha a acabar com a vida de nosso amigo. Sempre foi assim.
_Seu Teté, libera os meninos pra ir ali, rapidinho comigo.
_Pra onde? - meu pai inquiriu, todo retardo.
_É ali pertinho, seu Teté, lá em Itapetinga.
_O quê?!!!!
_Não, seu Teté, é rapidinho mesmo, é chegar lá, pegar um dinheiro cum cabra e se mandar pra cá de volta.
_Então vai um apenas, ora!
_Mas é que a gente...o senhor sabe, né, seu Teté, como é que é...e...
_Rapaz, desse jeito vocês me acabam!
_São duas horinhas de nada, seu Teté. É chegar lá, pegar e voltar.
_Olha, se não for demorar muito pode ir, porque eu não gosto de ficar aqui nesse balcão o dia todo, não.
_Não, seu Teté, é chegar lá, pegar o negócio e sumi.
_Vamos ver! Painho falou, sem um mínimo regozijo ou contentamento, nem crédito.
_Beleza. Então vamos lá, velhinhos.

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